O que era para ser uma tarde normal e tranquila, em fevereiro de 2017, se transformou em uma tragédia que mudou definitivamente a vida de Luiz Henrique Marroni dos Santos. Ele passeava com o filho de quatro anos, em Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre, quando ficou em meio a um tiroteio entre criminosos e a Brigada Militar.
Desesperado, ele se jogou em cima do filho para proteger a criança. Porém, foi confundido com criminosos e preso, logo depois, e precisou responder por tentativa de homicídio qualificado, associação criminosa armada e dano contra a viatura.
Três anos depois, Luiz Henrique processa o estado e cobra indenização de R$ 214 mil, além da remoção dos antecedentes criminais de sua ficha, para conseguir um emprego de carteira assinada.
Luiz Henrique só conseguiu o habeas corpus após ter ficado cerca de 10 meses na prisão. Foram mais de 300 dias preso na Cadeia Pública de Porto Alegre.
“Tive bastante medo de morrer. Por me sentir inseguro, por não ser criminoso e por ser alvo fácil numa rebelião. Me senti inseguro, [tive] bastante medo de morrer.”
Ele relata que e após ser preso, insistiu que não havia participado do tiroteio.
“Mandaram meu filho sair a esmo na rua, me algemaram, me levaram pro hospital e, depois, pra delegacia. Na delegacia, o momento todo eu falando que eu não tava envolvido, que eu tava passando, os rapazes também, e o delegado ignorando. Ele nem olhava pro lado”, afirma Luiz.
Indiciamento
Dois homens foram presos após trocarem tiros com policiais do serviço de inteligência da BM. Os policiais alegaram que foram atacados quando passavam por um ponto de tráfico de drogas.
A prisão em flagrante foi convertida em preventiva — quando o acusado não tem previsão de sair da cadeia. Luiz foi indiciado com os outros suspeitos.
O Ministério Público reconheceu que existiam indícios contra o jovem, apontando que ele estaria junto com os criminosos e teria atirado contra os policiais, agindo de forma que dificultou a defesa das vítimas, pois os PMs foram atacados de surpresa.
Os pedidos de liberdade provisória feitos pela defesa foram negados pela Justiça de Gravataí, pelo Tribunal de Justiça do estado e também pelo Superior Tribunal de Justiça. Todos entenderam que a prisão era legal.
Absolvição sumária
No entanto, quando as testemunhas começaram a ser convocadas pela Justiça, o caso teve uma reviravolta. Uma delas, que prefere não ser identificada, contou como foi a chegada da polícia e a prisão do rapaz.
“No momento que abriram as portas, que saíram atirando, ele se jogou na bicicleta, com o menino, para não pegar as balas nele. E aquela gritaria, o guri chorando. Eu me lembro que foi uma ʽbrigadianaʼ que abordou ele. No chão ele tava, no chão ele ficou. Ela pisou em cima, já algemou”, relatou.
Em uma foto, incluída no processo pela defesa, a bicicleta aparece no local da prisão. A juíza entendeu que não havia provas suficientes para levar Luiz Henrique a júri popular. O advogado, então, conseguiu no Tribunal de Justiça a absolvição sumária.
O relator do caso, o desembargador Manuel José Martinez Lucas, e outros dois desembargadores da Primeira Câmara Criminal absolveram o jovem no dia 13 de março de 2019.
“Toda a prova [era] no sentido de que ele não tinha nada a ver com a história. Ele tava passando pelo lugar, teve o azar de estar no lugar errado na hora errada. Ele acabou, então, absolvido sumariamente. Significa que está provado que ele não participou e nunca mais pode ser denunciado por este fato”, disse o relator, por telefone.
Polícia Civil, BM, MP dizem que processo foi legal
A Polícia Civil informou, em nota, que “Luiz não apresentou qualquer versão, manifestando interesse em se pronunciar somente em juízo” no momento do flagrante.
“Dessa forma, perante a Polícia Civil, jamais foi arguido pelo indiciado ou por sua defesa a tese de que apenas estaria passando pelo local no momento do confronto. A prisão preventiva foi decretada pelo Poder Judiciário, que homologou a prisão em flagrante e determinou a manutenção dos detidos no sistema prisional. O respectivo inquérito policial foi encerrado pela DHPP de Gravataí, não tendo havido qualquer fato novo ou tese defensiva suscitada no prazo estipulado pela legislação para encaminhar o inquérito policial ao Poder Judiciário (10 dias, por haver indiciado preso)”, afirma, em nota, a Polícia Civil.
Já a Brigada Militar afirma que foi instaurado um Inquérito Policial Militar, à época, para apurar as circunstâncias da prisão.
“O procedimento apuratório constatou que não foram cometidos crimes (nem de natureza comum e tampouco de natureza militar) e nem transgressões pelos policiais militares envolvidos na ação. Após os demais trâmites previstos entre os outros órgãos envolvidos, o processo já teve trânsito em julgado. Portanto, tendo em vista a existência de decisão judicial sobre o fato, não há o que comentar”, disse, em nota.
O Ministério Público, durante a instrução do processo, entendeu que as provaseram suficientes para a denúncia. “O réu, exercendo seu direito de recorrer, obteve a absolvição sumária. Todos os acontecimentos se deram de forma legítima e dentro do que prevê o Código de Processo Penal”, respondeu o órgão.
“Apagar esse pesadelo’
“Meu sonho é esquecer tudo isso. Meu sonho é não precisar mais me explicar quando procurar um serviço. Viver minha vida, apagar esse pesadelo. Tenho dois filhos pequenos, tenho que dar uma estabilidade pra eles. Sem carteira assinada, não consigo”, lamenta Luiz Henrique.
“Se ele for parado por um policial agora e a polícia checar o nome dele no sistema de informações de segurança, vai constar até hoje que ele é acusado de três tentativas de homicídio qualificado contra três policiais militares”, diz o advogado de Luiz, Demetrius Barreto Teixeira.
A Polícia Civil informou que o nome de Luiz Henrique Martini dos Santos ainda consta no sistema de consultas integradas porque, “para efetuar a baixa do registro de antecedentes, o interessado ou seu representante legal deve solicitar junto ao fórum uma carta narratória” e levar ao Departamento da Tecnologia da Informação de Policial (DTIP) para solicitar a exclusão.
O advogado de Luiz rebate. “Houve um despacho da juíza titular da vara em 2019 determinando o descadastramento dele no processo, bem como o envio de ofício para retirada de registro do sistema de informações de segurança, o que não ocorreu até hoje. Tal despacho foi exarado antes do plenário do júri, que ocorreu o final de 2019”, afirma o advogado.