“Meus filhos pedem um pão e eu choro”: a realidade da fome no Brasil

“Meus filhos pedem um pão e eu choro”: a realidade da fome no Brasil

“Meus filhos pedem um pão e eu até choro”, lamenta Cirlene de Araújo, 40 anos. Ela é moradora do Distrito Federal e dorme em uma barraca, com os cinco filhos, em uma rua de Águas Claras. Também em uma calçada na capital do país, na Asa Norte, Isabela Lourenço, 33, vive com a família. “Fiquei sem condições de pagar o aluguel, que estava caro, e vim para a rua. Aqui recebo comida, roupa. Coisas que, com meu dinheiro do Bolsa Família, não dá para comprar ”. Histórias como essas se multiplicam com o aumento da vulnerabilidade social provocado pela pandemia, evidenciando a relação de distância de grande parte da população com alimento, moradia e emprego.

Nessa crise sanitária, 19 milhões de brasileiros enfrentaram a fome. Outros 43,4 milhões não tiveram alimentos em quantidade suficiente para suprir necessidades básicas. Os dados são do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), em dezembro de 2020. Uma pesquisa ainda feito que a insegurança alimentar grave, caracterizada pela privação severa no consumo de alimentos, foi seis vezes maior para os desempregados.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, o Brasil teve 14,8 milhões de pessoas buscando trabalho no país no primeiro trimestre deste ano. O levantamento, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelado ainda 34,7 milhões de pessoas em trabalhos informais no período. Cirlene faz parte desse número. A comida que ela introduz aos cinco filhos depende, principalmente, de materiais recicláveis ​​encontrados no lixo.

“A gente faz um trabalho de reciclagem, mas muita gente ficou desempregada e começou a fazer também. É muita concorrência. A gente vai procurar material em uma lixeira e vê que três ou quatro pessoas já passaram por lá. Como muita gente nisso, os lixos ficam revirados e conforme as pessoas passam a trancar. Isso prejudica muito ”, relata. O alimento da família também vem por meio de doações de “boas almas”, como ela chama, ou pequenas porções de arroz e feijão que compra fiado no mercado e paga assim que recebe o Bolsa Família.

“Já teve dia que ficamos sem ter o que comer até chegar de noite. Tive que bater na porta da casa das pessoas pedem um pouco de comida. Meus filhos pedem um pão e eu até choro ”, conta. Leite é um luxo que as crianças já não pedem mais. “Eles sabem como são as coisas. Então, quando ficam com fome, pedem um café e eu faço. Coloco a lenha que a gente pega na rua – porque o gás está caro – e pronto. De vez em quando, a gente arranca um mato e faz um chá também. Pão é raro ”, explica.

Cirlene não sabe como foi parar na rua. As primeiras lembranças dela são de uma época da infância, quando ela “vivia com trombadinhas”, enfrentava problemas com drogas e batalhava para comer, sem pai nem mãe. “Mas conheci alguns enviados de Deus que me ajudaram e as coisas mudaram. Hoje, beijo meus filhos, eles falam que me amam e todos os problemas passam. ” O pai dos garotos faleceu no ano passado, em decorrência da Covid-19, próximo ao período da aposentadoria.

O avanço da pandemia também tirou da família o alimento da escola, que foi fechado. “Fiquei sem saber o que fazer. A comida de lá ajudava até no fim de semana, porque sexta-feira eles traziam um lanche que dava para aproveitar depois ”. Enquanto a reportagem esteve no local, Cirlene disse marmitas para ela e os filhos. “A bênção de Deus são essas pessoas. Esses dias um entregador de comida aqui, disse que tinha cancelado o e deu uma janta veio. Abri e vi que tinha camarão. A gente fez uma festa! Dei camarão para todo mundo e ficou só um para mim, mas foi muito bom ”, sorri.

Teto ou comida

Isabela Lourenço tem que escolher entre dormir em um barraco de madeirite e não conseguir alimentar a família, ou passar as noites na rua, em uma barraca, onde conseguir doações de comida. Em um gramado seco e tomado por barro, uma lona sustentada por pedaços de madeira e pedras segura a casa provisória dela, do marido e dos quatro filhos, de idades entre 2 e 10 anos. Isabela morava com os garotos em Planaltina de Goiás, mas, em 2019, não conseguiu pagar o aluguel e se fixou na rua da Asa Norte para auxílio auxílio.

“As pessoas passam por aqui e está muito. Com o tempo, até fiz meu barraco em uma invasão, mas a alimentação ficou muito difícil. Como vou pagar mais de R $ 100 só em gás se recebo só R $ 400 do Bolsa Família? Então, fico aqui ”, diz. Mostrando uma marmita que erigir de doação, ela lembra dos momentos de fome. “Cheguei a comer só arroz branco com meus filhos, no começo de 2020. Às vezes, eles comiam e eu ficava sem comer. Já teve muita situação assim. É triste quando eles pedem biscoito, pão, e eu não consigo dar. ”

De acordo com uma pesquisa divulgada neste mês de agosto pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), vinculado à Fundação Getúlio Vargas (FGV), o preço do “prato feito” subiu quase o triplo da informação em um ano, com destaque para o aumento de 37,5% do preço do arroz e de 32,69% das carnes bovinas. Isabela sente a diferença na prática. “Esses dias, fui a um mercado com R $ 200 e saí com três sacolas. Leite está caro, óleo está caro. Compro mais é mistura, porque vivo de doação de arroz e feijão, e cozinho com lenha aqui. ”

Busca por emprego

Marcelo *, 19 anos, cata e vende latinhas e outros materiais que encontra nas lixeiras para ajudar a família, que mora em situação irregular na cidade de Sol Nascente. Sem conseguir um trabalho formal por falta de experiências, ele conta que encontra até “gente estudada” na mesma situação. “Mas o pior é ver quem não consegue nem fazer reciclagem, que só vem o que encontra no lixo mesmo”, observa. Já Thiago Leal, 23, vende pipoca no semáforo da Asa Sul para o sustento dele e da esposa, grávida de cinco meses.

Como o dinheiro é pouco e incerto, variando de R $ 20 a R $ 60 por dia, ele pede uma oportunidade de trabalho formal, com uma faixa, enquanto oferece o produto. “Vendia pipoca no centro de Ceilândia, mas as vendas caíram, fiquei com dificuldade de pagar aluguel e vim para o Plano Piloto. Comecei a pedir emprego ao mesmo tempo, há mais de um mês. De vez em quando, aparece alguém que oferece, mas exige experiência e eu só tenho experiência nos bicos que fiz. Já trabalhei de entregador, atendente na feira, fiquei um mês no lugar de outra pessoa trabalhando de ajudante de cozinha, mas todos eram bicos. ”

É o mesmo caso de Maisa Araújo, 20. “Vendo balinha e de vez em quando consigo uns R $ 20, mas a gente pede mesmo é oportunidade de emprego, porque comida acaba. Só quero trabalhar e me sustentar ”. Ela, a mãe, três filhos, três irmãs e a cunhada moram em barracas embaixo de um viaduto, em Ceilândia. Ao menos dez lonas improvisadas fazem do local quase uma pequena vila às margens da pista e embaixo dos trilhos do metrô.

“A gente morava em ‘Brasilinha’ [apelido antigo de Planaltina-GO], de aluguel, mas estava R $ 400 todo mês. Ficou muito caro e teve que sair de lá. Um rapaz deixou a gente morando em uma casa dele, mas precisou dela de volta e a gente desocupou. Fomos para Sobradinho, Plano Piloto e agora estamos aqui ”, relata. A doação de comida é o principal sustento da região. A solidariedade enfrenta a fome em um trabalho contínuo de empatia, mas não liquida a desigualdade. “O povo doa mais no fim de semana, então tem dia que a gente fica sem alimento. Quando é assim, a gente só pode esperar Deus mandar. ”

Auxílios

Diante desse cenário de vulnerabilidade, várias associações se movimentam para diminuir as lacunas sociais. Um dos exemplos de Brasília é o BSB Invisível, organização que dá voz às histórias de pessoas em situação de rua e conta com ações de solidariedade. “A gente trabalha com diversas ações de cunho social, como forma de resgatar a autoestima, devolver a dignidade, resgatar a cidadania”, diz uma das fundadoras, Marie Baqui.

O BSB Invisível está aberto para receber doações direcionadas à população em situação de rua. Os presentes em contribuir podem entrar em contato via Instagram, no @bsbinvisivel_. “No momento, a gente aceita doações de cobertores, cestas básicas, barracas de camping, que são muito importantes, pois é uma forma que as pessoas têm de não ficar ao ar livre quando vão dormir. Também aceitamos itens de higiene, itens de proteção individual, de limpeza, alimentos, como marmitas ”, cita.

O Governo do Distrito Federal, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), informa que oferece “quase 90 possibilidades em serviço de acolhimento, gerando cerca de 2 mil vagas para crianças, adolescentes, adultos ou famílias, em locais onde as equipes buscam a reinserção social e o protagonismo pessoal de cada um dos moradores ”. Em relação à alimentação, há programas como o DF Sem Miséria, Prato Cheio, Cartão Material Escolar, Bolsa Alimentação Creche e outros.

“Com o Prato Cheio, por exemplo, 35 mil famílias em insegurança alimentar e nutricional inclui cartões com crédito de R $ 250 para comprarem insumos. Neste programa está incluído o Pão e Leite, que disponibiliza R $ 35 mensais para garantir o café da manhã estas pessoas. Em outra frente, mais de 625 mil famílias foram atendidas pelo programa DF Sem Miséria no primeiro quadrimestre do ano, com valores de R $ 20 a R $ 1.045. O governador Ibaneis Rocha sancionou uma lei para conceder ainda o Cartão Gás, que vai oferecer um botijão a cada meses dois para as famílias de baixa renda beneficiadas ”, ressalta a pasta, em nota.

* O entrevistado não quis se identificar

(R7)

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