Em 2018, Rafaella Antunes Ferreira de 22 anos, foi internada no Hospital Geral de Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte de São Paulo. A estudante sofria de uma doença que a deixava inchada e com dificuldade de falar e se locomover.
Através de poucas palavras e gestos, Rafaella conseguiu contar para a mãe, Rosineide de Souza, que foi abusada por dois médicos da unidade de saúde, durante a madrugada. O relato foi gravado pela mãe, enquanto a jovem era mantida por aparelhos, no leito da Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Ela falou a palavra abusou, eu li no lábio dela.
E aí eu comecei a fazer perguntas, ‘Rafaella, alguém mexeu aqui de um jeito diferente?’ E ela falou que sim. Perguntei se fechou a cortina, ela balançou a cabeça que sim, perguntei se tirou a fralda, ela disse que sim”, conta a mãe. Poucos meses depois, Rafaella veio a óbito em decorrência da doença. Dona Rosineide, acredita que, além dos abusos sexuais, a filha foi negligenciada pela equipe médica, que temia uma futura denúncia, caso a estudante se recuperasse. “Mas eu pedi tanto para o doutor Mário que fizesse a biópsia nela, ele não fez, o médico falou ‘ele não fez’.
Ele não fez de propósito, porque sabia que ele ia escapar, porque a médica falou que ela [Rafella] estava no final de uma UTI, que ia para o quarto… Chegou médico lá falando isso”.
Casos como o de Rafaella são cada vez mais comuns. E o local que deveria ser sinônimo de segurança e proteção, se torna justamente o contrário. Dados da Lei de Acesso à Informação apontam que, a cada 13 dias, um estupro acontece em uma unidade de saúde da capital paulista.
Entre janeiro de 2018 e outubro deste ano, foram registrados 82 casos de estupro dentro de locais que prestam serviços de saúde. Cinquenta e seis foram em hospitais, 12 em clínicas e consultórios e cinco em postos de saúde.
Mas, segundo a coordenadora das Delegacias da Mulher de São Paulo, Jamila Jorge Ferrari, provavelmente essa estatística é muito maior, já que em muitos casos, a vítima tem medo de denunciar. “Porque eles vão alegar que, normalmente vai acontecer entre quatro paredes, vai ser a versão dele contra a versão dela.
E você percebe que elas ficam desacreditadas. A gente fala sobre a importância da denúncia, tendo certeza ou não que aquilo foi um crime. Elas tem que denunciar”, afirma.
Ainda segundo a doutora Jamila Jorge, a vítima costuma sinalizar que está passando por algum tipo de abuso. Por isso, é muito importante que a família e pessoas próximas estejam atentas, e denunciem o caso.
“Elas ficam mais recatadas, elas passam a ter mais crises de choro, passam ou a comer muito ou parar de comer… São pequenas situações, ter aversão à ficar próximas de homem, são pequenas situações que quem está ao lado da vítima percebe”, diz. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma que o caso segue em investigação no 40º DP, da Vila Santa Maria.
O suspeito e as testemunhas foram ouvidas, mas em novembro, o Ministério Público pediu nova apuração. A Secretaria de Estado da Saúde repudia qualquer ato de violência contra pacientes e atitudes que fujam aos protocolos de humanização previstos no SUS. O Hospital Geral de Vila Nova Cachoeirinha, ao tomar conhecimento do caso, abriu uma apuração interna em relação ao caso e tomará as providências cabíveis após a conclusão desta medida. A unidade segue à disposição para contribuir com as investigações e à disposição para esclarecimentos à família.
(Jovem Pan)