A prisão de um piloto de 37 anos após pouso no Aeroclube de Novo Hamburgo, no fim da tarde de quarta-feira (15), mostra a evolução da logística do tráfico internacional de cocaína no Estado. Ele é um dos líderes da maior facção gaúcha, sediada no Vale do Sinos. Aprendeu a pilotar com comparsas e comprou aviões para ajudar a buscar 200 quilos de cocaína por semana do Paraguai. Um mecânico de 67 anos, que o acompanhava no voo, também foi preso.
Na manhã desta quinta-feira (16), a Polícia Civil prendeu outros seis membros da facção, entre pilotos e ajudantes, em quatro cidades do Rio Grande do Sul e duas de São Paulo. Nomes não são informados por conta da Lei de Abuso de Autoridade.
Não era o primeiro pouso que o líder fazia no Aeroclube de Novo Hamburgo, no bairro Canudos. Tinha autorização para uso da pista. Eles estariam chegando de voos pelo Estado após viagem à fronteira com o Paraguai. “Eles vinham usando vários aeroclubes, entre eles o de novo Hamburgo, Viamão, Eldorado do Sul e Estrela”, declara o diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Vladimir Urach. Conforme o delegado Fernando Siqueira, também do Denarc, não há crime constatado na conduta dos aeroclubes.
Dinheiro
No avião, os agentes não encontraram droga, mas apreenderam 4 mil dólares e documentos. “Provavelmente oriundos de negociação ilícita”, observa Siqueira. A aeronave do líder, avaliada em R$ 300 mil, não foi apreendida, segundo o delegado, em razão de não ter sido flagrado transporte de droga. Ao fim do inquérito, porém, deverá ser um dos bens sequestrados judicialmente. O piloto e o mecânico estavam com mandado de prisão preventiva.
Rede de empresários e políticos envolvidos
Os mandados cumpridos em Novo Hamburgo foram expedidos pela Comarca de Cachoeirinha. É por meio de investigações nessa cidade que, desde o fim do ano passado, o Denarc descobriu políticos e empresários envolvidos no tráfico na região metropolitana. Mais de uma tonelada de droga, armas e dinheiro do grupo já foram apreendidos.
Mas a investigação que resultou na desarticulação do chamado grupo aéreo da facção, conforme o Denarc, começou em apreensões feitas em abril deste ano, quando foram apreendidos 46 quilos de cocaína, 14,6 quilos de insumos, 500 gramas de maconha, 430 comprimidos de ecstasy, uma pistola glock e três veículos. Parte do material estava em depósito em São Leopoldo e outra em Caxias do Sul. Dois homens foram presos.
Grupo movimentava R$ 30 milhões por mês
Com os 200 quilos de cocaína distribuídos por semana, a “grupo aéreo” da facção movimentava cerca de R$ 30 milhões por mês, conforme o Denarc. A célula foi desbaratada por meio de 16 mandados judiciais na manhã desta quinta, cumpridos por 40 agentes.
Houve seis prisões preventivas, em Porto Alegre, São Leopoldo, Gravataí e em condomínio de luxo em Capão da Canoa, além de duas em São Paulo – Araras e Bragança Paulista. Dez mandados de busca e apreensão foram cumpridos. Em um deles, em Bragança Paulista, foi recolhido um avião.
Segundo o delegado Siqueira, a Operação Golf, como foi batizada, “deu duro golpe logístico e financeiro na maior facção do Rio Grande do Sul, que possui estreita relação com uma organização criminosa de São Paulo, que opera em todo país”. O policial se refere à sociedade dos Manos com o Primeiro Comando da Capital (PCC).
A estratégia para escapar da fiscalização é antiga no tráfico aéreo. “Eles voam baixo para escapar dos radares”, observa o diretor do Denarc. É assim pelo menos desde 20 de janeiro de 2014, quando o órgão policial descobriu um avião Cessna suspeito no Aeroclube de Montenegro. Registrado na Bolívia, estava com prefixo falsificado de um aparelho paulista e não tinha autorização para entrar no Brasil. Já tinha passado pelo Aeroclube de Eldorado do Sul.
Evolução na estrutura
O aparelho de oito anos atrás estava em mau estado de conservação e indicava os primeiros passos da facção do Vale do Sinos no tráfico aéreo de cocaína. De lá para cá, houve considerável evolução na logística. A facção teria substituído os aviões alugados sucateados por modelos mais novos, comprados com recursos próprios. E, ao invés de pilotos terceirizados, passou a formar os próprios operadores de voo. A ponto de um dos líderes ter investido na carreira da aviação.
Distribuição organizada
O diretor do Denarc detalha a logística. “No Paraguai, pousa em uma pistinha de fazenda e é carregado. Assim que chega aqui na região metropolitana, a cocaína é distribuída. Há vários traficantes esperando. Cada um pega seus quilos encomendados e vai para sua área.” Urach frisa que a investigação continua. “É muito complexa. Pegamos esse braço importante da organização, mas é uma estrutura muito complexa.”
O diretor do Denarc revela que o órgão rastreia outras possíveis aeronaves da facção. “Sabemos que dois aviões deles caíram recentemente no Paraguai. São comprados em nome de laranjas, pessoas sem antecedentes criminais”, comenta Urach. Há a suspeita de que o grupo também use aviões roubados no tráfico.
O aparelho do chefe
O avião em que o líder aterrissou em Novo Hamburgo é para três pessoas. “Tiram o banco traseiro para que o espaço seja emendado ao compartimento de carga. Cabia 200 quilos.” Considerando que a quantidade é avaliada em R$ 6 milhões, o investimento no traslado aéreo se torna viável. “A maconha não vale a pena buscar de avião”, exemplifica o diretor. O trajeto da erva é por rodovias, em carregamentos de caminhões ou fundos falsos de carros roubados.
Em conversa interceptada pela Polícia, um piloto fala a outro sobre as desvantagens de uma prisão por tráfico internacional. Comenta que não vai ter benefícios da proximidade com parentes e companheiras, como visita íntima e comida levada por eles.
“Não sei se tu sabes, mas nesses voos que acontecem aí, se inventa de ser preso, não vai no Central aqui, onde tem toda hora ali vendo, leva comidinha, leva coisa, não. É prisão federal, é tráfico internacional, tá todo mundo de uniformezinho, come o que tem e foi bom. Tu não tem noção de como é que são as coisas.”
Fonte: Denarc