Irmão mais velho de Rafael morto em Planalto reafirma ter ouvido barulhos e vozes na noite do desaparecimento

Irmão mais velho de Rafael morto em Planalto reafirma ter ouvido barulhos e vozes na noite do desaparecimento

A manhã do segundo dia do julgamento de Alexandra Dougokenski, 35 anos, acusada pela morte do filho Rafael Winques, então com 11 anos, em Planalto, no norte do Estado, foi marcada por dois depoimentos e por emoção.

Na primeira etapa, foram ouvidos o ex-namorado de Alexandra, Delair de Souza, e o irmão mais velho de Rafael, Anderson Dougokenski. Enquanto Delair narrou que Alexandra teria apontado o envolvimento de um irmão na morte do menino, Anderson afirmou que na noite do crime conseguia ouvir Rafael no quarto dele e que, por volta das 3h ou 4h, escutou uma espécie de pancada.

A ré Alexandra chegou por volta das 8h10min em uma viatura da Polícia Penal. Ela vestia uma camiseta azul em que estava escrito: “Mulher que prospera”. Assim como no primeiro dia, a viatura ingressou por uma entrada lateral do fórum, onde há estacionamento.

Alexandra é acusada de homicídio qualificado (motivo torpe, motivo fútil, asfixia, dissimulação e recurso que dificultou a defesa), ocultação de cadáver, falsidade ideológica e fraude processual. Presa pelo crime, atualmente ela nega ter cometido o assassinato, e sua defesa alega que a morte é responsabilidade do pai, Rodrigo Winques, que morava na Serra quando o crime aconteceu.

Mais uma vez, a movimentação no entorno do Fórum de Planalto era calma no início da manhã desta terça. A quadra em frente ao prédio, na Rua Siqueira Campos, está fechada, com presença da Brigada Militar. No entanto, não foi registrada a presença de moradores para acompanhar o caso – como a sala é muito pequena, apenas alguns familiares têm acesso, além dos envolvidos diretamente no processo.

Ex-namorado se emociona e pede a verdade

Juliano Verardi / DICOM / TJRS
Delair, ex-namorado de Alexandra, chorou ao lembrar que chegou a ser visto como suspeito quando menino desapareceuJuliano Verardi / DICOM / TJRS

O primeiro a prestar depoimento nesta terça-feira foi Delair de Souza Pereira, namorado de Alexandra na época do crime — ele frequentava a casa da família havia cerca de seis meses. O depoimento foi marcado por momentos de emoção e lágrimas. Ele recordou que foi na casa dela na noite de quarta-feira — a morte do menino foi na madrugada de quinta para sexta — e que Rafael estava com dor de barriga. Ele disse que a criança tomou um remédio, mas não se recorda qual era e nem qual a dosagem.

Questionado sobre o uso de celular, Delair confirmou que Rafael mexia bastante no telefone e jogava no aperelho. Ele disse, inclusive, que Alexandra o questionou sobre o assunto e que ele sugeriu impor um limite. Segundo Delair, ela também reclamava do uso de celular pelo filho mais velho, Anderson.

Logo no início do depoimento, o Ministério Público perguntou sobre a autoria da morte. Delair narrou que Alexandra apontou o envolvimento de um irmão e que ela teria comentado sobre ele ter abusado do menino — inclusive, uma semana após a morte, ela seguia insinuando a participação dele. No entanto, atualmente, a alegação da defesa é de que o crime foi cometido pelo pai, Rodrigo Winques.

Questionado pelo promotor Diogo Taborda sobre explicação para esse conflito de versões, Delair se emocionou:

— Essa explicação está na cabeça dela. Só ela vai poder falar a verdade. E acho que está mais do que na hora de ela falar a verdade. Todo o sofrimento que ela está causando para a família dela… E para o Rafa descansar também.

O diálogo seguiu. 

— Gostava do Rafael? — indagou o promotor. 

— Poxa, demais — respondeu Delair.  

— Tinha ele como um filho? 

— Com certeza.  

— Se sentiu traído pela Alexandra? 

— Com certeza. 

— Ela lhe enganou? 

— Com certeza. Não só a mim, mas a sociedade inteira.

Depois dessa fala, o depoimento foi interrompido. Delair estava emocionado, e duas juradas começaram a chorar também, o que levou à interrupção.

Questionado sobre a participação de Rodrigo Winques, pai do menino, ele diz que Alexandra tocou no assunto, mas só depois.

— Logo de início ela não falava isso. Só com o tempo é que começou a surgir.

Delair relembrou as buscas feitas na cidade para encontrar o menino. Inicialmente, o contato foi feito com o Conselho Tutelar:

— Tinha que esperar tantas horas (na polícia). Eu nunca vou esquecer que, em uma das falas, ele (policial) disse: “Pode ficar tranquilo, que a hora que der sede, fome e frio, ele vai voltar”. No outro dia, fui questionar na delegacia quando cheguei. Eu disse: acho que já passou uma noite, já deu sede, fome e frio no guri. Acho que já é hora de começar a procurar.

Em determinado momento, dias após o desaparecimento Rafael, Delair teve uma conversa com Alexandra. Os dois estavam a sós.

— Eu não sabia mais o que fazer. Eu disse para ela: se tiver alguma coisa para falar, fala a verdade. Ela disse: “se eu soubesse alguma coisa do meu filho, tu acha que eu não ia contar? Se eu soubesse onde ele está?”.

Questionado sobre o relacionamento de Rodrigo Winques com o filho Rafael, Delair relatou que nunca soube que ele teria sido agressivo, nem mesmo com a ré Alexandra.

Na hora das perguntas da defesa, o advogado da ré, Jean Severo, começou perguntando sobre Rodrigo ter sido visto na cidade no dia em que Rafael foi morto. Delair relatou que esteve na casa de um familiar, no interior de Amestista do Sul:

— Me recordo que estivemos lá, eu e o Beto (irmão de Alexandra). Fomos procurando familiares, para ver se tinha informação. A gente chegou nessa casa. Esse rapaz disse que o Rodrigo estaria na quinta-feira (dia 14) aqui.

Jean Severo reagiu, dizendo que a defesa não tinha conseguido encontrar essa pessoa e pediu para que isso seja feito:

— Sugiro que façamos uma diligência nessa casa para localizar essa pessoa. Se o jurado entender que é necessário, quem comanda o júri é o jurado. O jurado, para condenar, tem que ter 100% de certeza. Se o Rodrigo estava em Planalto, por que mentiu durante todo esse tempo?

Os promotores argumentaram que a fala é ilógica, pois essa seria a tarde anterior ao crime. Com o depoimento terminou, a juíza Marilene Campagna disse que o tema seria decidido mais tarde e, tempo depois, chamou um intervalo para “resolver questão de ordem”.

Após uma pausa, o Tribunal de Justiça informou que a juíza indeferiu o pedido de diligência para intimação de nova testemunha.

“Parecia uma porta de lata. Não imaginei que era na nossa casa”

Juliano Verardi / DICOM / TJRS
Anderson afirmou que o pai de Rafael foi “o cara que acabou com sua vida” e que nunca tive sentimentos bons por ele Juliano Verardi / DICOM / TJRS

Segundo a prestar depoimento, o irmão mais velho Anderson Dougokenski, 19 anos, narrou que Rodrigo Winques sempre foi agressivo com sua mãe e narrou ter sido vítima de abusos sexuais pelo pai de Rafael. Ele disse esse ter sido “o cara que acabou com sua vida” e afirmou que nunca tive sentimentos bons por ele.

— Isso começou ainda antes de o Rafael nascer. Eu fui abusado várias vezes por ele. Quando a gente ficava sozinho, às vezes ele colocava vídeos pornográficos, e fazia eu tocar nele, ele tocava em mim. E isso foi antes e continuou depois de o Rafa nascer.

Ele disse não ter contado sobre os abusos para a mãe por medo de que ele pudesse fazer alguma coisa. Depois, explicou ter relatado os abusos para uma policial civil, em escuta especializada — mais tarde, em determinado momento, a transmissão do júri chegou a ser suspensa enquanto ele detalhava os abusos. Ele ainda relatou agressividade por parte do irmão da mãe, Jean, que teria chegado a bater na avó.

Na noite da morte do Rafael, Anderson disse que foi para a cama e que conseguia ouvir Rafael no quarto dele, jogando e falando com amigos no telefone. Por volta das 3h ou 4h, escutou uma espécie de pancada.

— Parecia uma porta de lata. Não imaginei que era na nossa casa. Disse: “Para, pai, para pai”. Disse umas duas ou três vezes e parou de novo. Então, eu não imaginei… Ninguém tinha pai lá em casa. O único que tinha era o do vizinho — relatou.

Questionado sobre ter visto Rodrigo Winques no local, disse que não. Depois, narrou que, durante a manhã, perguntou para a mãe se ela tinha escutados barulhos no vizinho na noite anterior:

— Fui para a sala e vi a porta do quarto aberta. Daí fiquei sentado na sala e disse: “E o Rafa?”. E ela disse: “Acho que deve estar na vó”.

Depois disso, Anderson ficou sabendo do desaparecimento e disse que ele e a mãe deram voltas na quadra e foram em estabelecimentos procurar o menino. Ele disse ainda que ligou para Rodrigo Winques, do celular de Rafael, para perguntar dele.

— Perguntei: “Tu não sabe do Rafa?”. E ele: “Que Rafa”?. Eu disse: “como assim, teu filho”. Ele disse que estava trabalhando (…). Se morava em Bento, provavelmente estava em Bento — disse, acrescentando que não sabia exatamente onde ele estava.

Anderson ainda relatou ter sido pressionado pelos delegados Eibert Moreira Neto e Ercílio Carletti:

— Tentaram arrancar alguma coisa. E chegaram a mostrar foto do meu irmão morto para mim, para ver se eu falava alguma coisa. Aquele dia foi o pior para mim.

Sobre insinuações de que teria participação na morte do irmão, Anderson disse que “não são fatos”:

— Insinuações, como você (o promotor Diogo Taborda) disse, são insinuações. Não são fatos. Eu sei da verdade, como tu disse, foi comprovado que eu não tive participação nenhuma, não sei de nada. Estou até hoje procurando uma resposta disso. Não ligo para o que vão falar.

O promotor Marcelo Tubino questionou sobre Anderson ter “mudado sua versão”, argumentando que, primeiro, ele disse que não sabia de nada e, depois, passou a mencionar Rodrigo. Anderson negou:

— Isso sobre gritos, eu escutei mesmo. Se tu está insinuando que eu estou mentindo, aí é uma coisa diferente. Porque eu escutei e falei para a mãe logo no início. Não foi ela que disse. Eu que falei para ela, e ela até disse para não mencionar com ninguém. (…) Não tem nada a ver, como se eles fossem mudar minha versão… Não. Eu estou falando por mim.

Juliano Verardi / DICOM/TJRS
Antes de ser ouvido, Anderson abraçou a mãe, que chorouJuliano Verardi / DICOM/TJRS

Anderson presta depoimento na condição de informante. Ele disse que Alexandra sempre será sua mãe:

— Para mim, minha mãe vai ser sempre minha mãe. Para mim, independente de qualquer coisa, ela me criou. Eu não tive pai. Para mim, ela foi meu pai, minha mãe, e sempre vai ser. Independente de qualquer coisa.

Os promotores mostraram uma carta enviada por Alexandra a Rafael, em que ela pede que ele “compreenda” o que ela disser e pede perdão. Ele disse não se recordar se ela fala sobre o crime na carta:

— Ela sempre me pediu perdão. Sempre disse que não queria que eu abandonasse.

Respondendo a perguntas da promotora Michele Dumke Kufner, Anderson voltou a falar sobre os jogos no celular e sobre como a mãe repreendia o comportamento — segundo o Ministério Público, esse foi um dos motivos pelos quais Alexandra matou o filho.

— A mãe nunca gostou que a gente ficasse muito no celular. Às vezes, ficava até altas horas. E quando tu tá jogando não percebe, mas às vezes grita alto. Então a mãe vinha no quarto e dizia para parar de gritar — narrou.

— E nessa noite aconteceu isso? — questionou Michele.

— Aconteceu.

O depoimento de Anderson foi interrompido pouco antes das 13h para intervalo e foi retomado por volta das 14h, com perguntas da defesa. O irmão mais velho disse que Rafael sempre teve a mãe como mãe e pai, assim como ele — e que a relação era melhor com Rodrigo quando os dois estavam casados.

A defesa ainda mostrou fotos de Rodrigo Winques com armas — o pedido para mostrar vídeos de pornografia encontrados no celular dele foi indeferido pela juíza.

— É um bandido — disse Anderson.

O advogado de Alexandra, Jean Severo, chamou Anderson repetidas vezes de “filho” e perguntou como está a vida dele depois de tudo o que aconteceu:

— Tá, tipo, eu não sei para onde vou… Literalmente eu perdi… (começa a chorar).

— Seria bom ter tua mãe contigo? — insistiu Severo.

— Eu não tenho ninguém — diz Anderson, após uma breve pausa em que continuou chorando.

Questionado sobre se a mãe teria “coragem” de matar o filho, foi direto na resposta.

— Nunca, cara. Nunca. Minha mãe nunca teria coragem de matar meu irmão. Na verdade, eu nunca achei que foi minha mãe. Nunca fez sentido para mim. Nunca fez sentido isso de ser minha mãe. Parece que a gente era feliz de verdade quando estávamos só eu, a mãe e o Rafa. Parece que as coisas estavam melhorando. Então não fazia sentido. Foi a melhor época da minha vida, eu acho — disse o jovem, ressaltando que a mãe dificilmente batia nos filhos e que se sentia mal quando o fazia.

No fim do período de perguntas, Jean Severo perguntou ao jovem que pedido ele faria para o Conselho de Sentença. Anderson pediu que os jurados prestem atenção aos detalhes:

— Isso foi muito mal investigado. Porque não faz nenhum sentido. Teria que analisar muito melhor isso aí. Porque sabe, uma mãe que criou a vida inteira dois filhos sozinha, sempre zelou pelos filhos, sempre fez tudo igual… Se fazia algo para mim, pro Rafa era igual. Sempre foi a mesma coisa. Se ela quisesse matar só o Rafa, por que não me matou?

O jovem continuou: 

— Não que eu esteja pedindo, assim… Mas se pudessem absolver a minha mãe, a vida mudaria muito. Mudaria porque eu sei que não foi, eu sinto isso.

Ao fim do depoimento, a juíza Marilene Campagna permitiu que o jovem conversasse com a mãe, antes do depoimento de Rodrigo Winques.

Fonte e fotos GZH

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