Encerrando processo envolvendo um homem de 65 anos que há quatro meses foi resgatado de condição análoga à escravidão em uma propriedade rural de Quaraí (Fronteira-Oeste), o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) firmou dois acordos.
O primeiro acerto, assinado com os proprietários do vinhedo envolvido, garante o idoso o recebimento de R$ 10 mil em verbas rescisórias e R$ 50 mil de indenização por danos morais individuais. Também estabelece mais de 40 obrigações para regularização da propriedade, de modo que a situação não se repita na propriedade, além de outros R$ 40 mil em compensação à sociedade por dano moral coletivo.
Já o segundo acordo, pactuado com os réus que compraram produção de uva da propriedade, garante o pagamento de uma pensão mensal vitalícia ao trabalhador, atualmente abrigado em uma instituição da cidade. Determina, ainda, investimento de R$ 50 mil em ações sociais para órgãos públicos e instituições de caridade.
Ambos os acordos foram assinados pelo procurador Hermano Martins Domingues, da unidade do MPT-RS em Uruguaiana, e homologados nesta semana pela juíza Camila Tesser Wilhelms, da Vara do Trabalho de Santana do Livramento. também na Fronteira-Oeste do Estado. Em junho, o MPT-RS obteve o bloqueio de bens dos empregadores, em montante superior a R$ 1 milhão.
Adequação da propriedade
O casal de proprietários do vinhedo terá que providenciar a adequação das práticas de contratação e gestão das relações de trabalho no empreendimento rural.
A lista de obrigações inclui contratação regular de funcionários (conforme a legislação), fornecimento gratuito de equipamentos de proteção aos empregados, colaboração com as inspeções da fiscalização do trabalho, implementação de um Programa de Gerenciamento de Riscos no Trabalho Rural (PGRTR) para diminuir exposições a riscos ocupacionais e aplicação de medidas de proteção de saúde e de segurança, entre outras disposições.
Também fazem parte do acordo medidas para o correto armazenamento e aplicação de agrotóxicos e obrigações relativas a treinamento de pessoal, ergonomia e segurança das instalações.
O descumprimento das medidas pode acarretar multa de R$ 10 mil para cada obrigação não atendida, valor acrescido de R$ 1 mil por trabalhador prejudicado.
Se houver novo caso de trabalho análogo à escravidão na propriedade, estará automaticamente fixado valor indenizatório de R$ 60 mil ao resgatado (R$ 50 mil por danos morais individuais e o restante em verbas rescisórias.
Os proprietários também terão que “marchar” em R$ 40 mil de indenização por danos morais coletivos, com destinação a projetos sociais na região.
Pensão vitalícia
Ainda no que se refere aos réus que compraram a produção do vinhedo, o Ministério Público do Trabalho pactuou o pagamento de pensão mensal vitalícia no valor de um salário-mínimo.
Eles também depositarão, a título de investimento social, dez parcelas mensais de R$ 5 mil para uso pela Promotoria em políticas de combate e erradicação do trabalho análogo à escravidão, bem como instituições de caridade e órgãos públicos.
O pagamento dos recursos não implica, pelos réus, admissão de culpa pela situação em que o trabalhador foi encontrado na propriedade do casal dono do vinhedo.
Relembre o caso
A vítima, um homem negro de 65 anos, foi resgatada no dia 20 de abril por uma força-tarefa da Polícia Civil, Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul e MPT-RS. Ela era mantido, nos últimos três anos e meio, em condições degradantes em um vinhedo na zona rural de Quaraí.
A situação chegou ao conhecimento das autoridades a partir de denúncia da assistente social de um hospital onde ele estava internado com fortes dores na coluna e outros problemas de saúde.
No local, constatou-se que o idoso dormia em um galpão precário, construído com tábuas e folhas de zinco e piso de terra batida. As mesmas instalações serviam como depósito de materiais, ração animal e até agrotóxico, além de serem infestadas por ratos e pulgas – uma situação tão ruim que muitas vezes o trabalhador preferia dormir ao relento.
Ao ser resgatado, ele contou que não recebia salário e nem alimentação suficiente ou atendimento médico. Como se não bastasse toda essa situação, ainda era submetido a humilhações e injúria racial, além de ter seus documentos retidos. Em depoimento à Polícia Civil, o patrão admitiu apenas parte das irregularidades.
(Marcello Campos | O Sul)