O bar Cantante, na Fernandes Vieira, bairro Bom Fim, em Porto Alegre, é um espaço aconchegante onde se reúnem intelectuais: jornalistas, artistas, estudantes, professores e muita gente bacana. Tudo se discute ali, da política ao sucesso da Anitta, do retorno de Pantanal, na Globo, aos desatinos do capitão Bolsonaro, das pesquisas eleitorais aos livros de Paul Auster. Enfim, anda por ali todo esse tipo de gente que costuma ler poesia, romance e gostar de Chico Buarque, Caetano Veloso, Belchior e de certas bandas inglesas. Os donos, a Jane Pilar e o Jorge, são amigos de tudo mundo que vai lá. É legal demais. Serve de escritório para uns e de ponto de encontro para muitos. Lembra bares de outros tempos, onde se falava de utopia.
Pois não é que apareceu um cara para cobrar “pedágio”.
Isso mesmo, “pedágio”, palavra para designar extorsão ou algo do gênero, coisa que quase todo comerciante teme enfrentar algum dia.
No Facebook, assustada, Jane contou a história:
“Testemunho da vida como ela é – desde 2015 estou a frente do cantante, legado passado pela companheira Carla Quadros – veio a fase de aprendizagem e coragem (e foi ano que meu pai e minha irmã partiram) e depois a pandemia que fez que a criatividade falasse ou gritasse ou determinasse a vida ou morte. Passado, presente e futuro.
Tenho a dizer ou a gritar que ser mulher dona de bar é tarefa pra fortes – ontem recebi uma ligação estranha pelo fone fixo, quase na hora do fechamento – era um homem dizendo que os GURIS iam passar pra pegar a páscoa – e perguntou como estavam os assaltos no bairro – eu sem saber como reagir – com vontade de mandar o cidadão à merda – tentei negociar que viesse hoje cobrar o pedágio – ele falou mto e fiquei amedrontada – pq era segunda e poucos comércios abrem de noite – hoje qdo fui abrir falei com segurança da loja ao lado – e no meio da tarde sob chuva entrou um cidadão e sentou na mesa ou cadeira 7 – eu a priori não vi pq tinha um grupo de jovens paulistas nas mesas 1 e 2 – e um queria chocolate quente gelado – eu disse que a priori não tinha como fazer – sugeri capuccino frio – qdo avistei o cidadão da mesa sete na entrada da porta – ele me encarou e disse que ia me matar – mas não com arma – que tb poderia ser – eu fiquei mto desorientada e o enfrentei – levantou e foi embora…”
Em bom português, pedido de taxa de proteção e ameaça.
Coisa de máfia ou milícia.
Uma manifestação foi organizada em solidariedade à Jane e ao Cantante. Jane avisou a Brigada Militar, que prometeu fazer ronda na rua. A Fernandes Vieira tornou-se um bonito espaço de convivência. Em certos finais de tarde, com temperatura amena, lembra certos lugares do melhor Rio de Janeiro, com mesas nas calçadas e conversas fluindo.
Resta garantir a liberdade e a segurança.
Esse tipo de coisa não pode ser levada na brincadeira. Ou se toma providência ou se fica refém de quem nada tem a perder.
Conversei com a Jane. Ela está firme e forte.
Fica, porém, o receio de uma nova investida.
Autoridades, por favor, prestem atenção.
Por Juremir Machado da Silva | Matinal Jornalismo