Duas advogadas criminalistas afirmam terem sido barradas na Penitenciária Modulada de Montenegro, no Vale do Caí, por causa das vestimentas que usavam. Yohanna Stiebe e Sophie Dall’Olmo explicam que foram ao presídio no último dia 25 para atender dois clientes detidos, quando foram impedidas de acessar o local por um agente penitenciário que considerou que elas não estavam vestidas adequadamente.
Numa rede social, elas relataram a situação. “A primeira interação foi dizer que uma de nós não poderia entrar porque estaria com decote. Em seguida, o agente decidiu que a outra também estava com decote. Mas deu-nos a possibilidade de procurar – no meio de uma estrada de chão, a quilômetros da capital e num calor de 32º – um casaco ou camisa para podermos acessar o presídio.”
As advogadas afirmam que insistiram para entrar, em vão. “Batemos pé, porque sabíamos que estávamos em nosso direito e, mais do que isso, que estávamos lá para garantir um direito de nossos clientes. O tom agressivo se intensificou e decidimos retornar ao carro, onde estava nosso colega. Na saída, o agente ainda gritou que a calça de uma de nós era transparente – mais um motivo pra não entrarmos.”
O relato foi seguido de publicação da foto das advogadas com as roupas que vestiam no dia do fato. Yohanna e Sophie relacionam a conduta do agente ao machismo. “Quantos advogados homens você sabe que foram barrados na entrada do presídio por conta de seus trajes?”
Sophie complementa que elas ficaram chocadas com a abordagem do agente. “No nosso entendimento, não estávamos com decote. Não teria por que nos barrar por conta disso. Ele estava bastante exaltado, gritando com a gente”, afirma. “E esta é uma questão muito mais legal, do que moral. Para além do fato de que a nossa competência enquanto profissionais não decorre das nossas roupas, e sim da nossa especialidade na área e nosso constante aperfeiçoamento, a questão é que a legislação nos permite sempre o contato com nossos clientes presos e o acesso a prédios públicos, inclusive delegacias e prisões.”
O caso foi denunciado à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), que instaurou processo interno para apuração da situação, que poderá se refletir em responsabilidade pela lei de abuso de autoridade perante a Justiça.
Portaria elenca o que são ”vestimentas inapropriadas”
Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária (Seapen) informa que desconhece as circunstâncias do fato, mas confirma que a decisão se deu no âmbito da competência da direção da penitenciária e teve como fundamento a Portaria 205/2016/GAB-SUP.
No artigo 1º de tal portaria consta: “Não será admitida a entrada e permanência de pessoas com vestimentas inapropriadas nas dependências dos estabelecimentos prisionais, Delegacias Regionais, Escola do Serviço Penitenciário e Órgão Central da Superintendência dos Serviços Penitenciários.”
O artigo 2º complementa: “Entende-se como vestimentas inapropriadas, para fins da presente portaria: I – peças de roupa do sexo feminino, tais como shorts, bermudas e suas variações, miniblusa e minissaia, roupas transparentes, decotadas, trajes de banho ou ginástica; II – peças de roupa do sexo masculino, tais como, shorts, bermudas, trajes de banho ou camiseta tipo regata. […]”
Ainda na nota, a Seapen, em conunto com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), reafirma o “compromisso de respeito absoluto as prerrogativas da advocacia, fundamental para consolidação do Estado Democrático de direito” e que, caso se confirme eventual falha de procedimento, serão adotados os ajustes devidos.
Lei garante acesso de advogados
As advogadas citam que a Lei 8.906/1990 garante o acesso delas ao presídio e que o caso pode ser considerado crime, com base nesta lei e na nova Lei de Abuso de Autoridade. Confira abaixo o que determina a Lei 8.906.
Art. 7º. São direitos do advogado:
I – exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional; (…)
III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
VI – ingressar livremente: (…)
b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares;
Art. 7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.869. de 2019)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.869. de 2019)
Fonte Jornal NH