O corpo de um adolescente, Kauã Gonçalves, de 14 anos, foi localizado na manhã desta terça-feira (27), na orla da praia do Cassino, em Rio Grande.
Ele foi morto a tiros e é o sexto adolescente assassinado neste em 2022 no município. O crime chocou a comunidade, já assustada com a violência (são 83 mortes de janeiro até agora), não só pela idade, mas em razão de um vídeo onde o jovem aparece ajoelhado tentando se explicar a um “tribunal do crime”.
Ele é alvejado por diversos disparos e também por mais de um autor. O primeiro tiro parece atingir a cabeça. Os demais o corpo. A perícia encontrou cerca de 30 projéteis no local onde o corpo de Kauã foi localizado.
O assassinato teria ocorrido porque o adolescente, que pertencia a uma facção, a mesma que o matou, teria se envolvido com integrantes de outra facção, o que foi considerado pelos autores como uma traição.
Envolvimento
A delegada responsável pelas investigações, Alexandra Pérez Sosa, informou que já tem indícios de suspeitos, mas que prefere manter em sigilo em razão da continuidade das diligências. A policial ressaltou ainda que há aproximadamente 18 menores infratores envolvidos nos homicídios decorrentes da guerra do tráfico em Rio Grande.
“A brutalidade na forma de execução e o ato de os próprios executores filmarem e publicarem é para intimidar e mostrar poder. Infelizmente, os jovens são presas fáceis dessa guerra do tráfico pelo acesso fácil ao dinheiro, meio social e cultural em que estão inseridos”, comenta a delegada.
Demonstração de poder
Para tentar entender melhor essa violência – da banalização da morte por esses grupos criminosos – que se alastrou em Rio Grande, o Diário Popular ouviu o assessor da Associação dos Municípios da Zona Sul (AzonaSul), pesquisador e especialista na área de segurança pública, Samuel Rivero. Para ele, essa violência extrema não é um caso isolado. Ele citou como exemplos os homicídios em São José do Norte em 2017 e as rebeliões com massacres nas penitenciárias do Norte do País, principalmente no Amazonas, em 2016 e 2017.
Rivero diz ainda que a violência está associada a uma forma de demonstração de poder. Quando um grupo criminoso não detém o domínio e está em busca deste, usa essa violência extrema, como forma de tentar estabelecer um poder. “É algo complexo, é difícil de entender e é chocante. Está na literatura que quando há muito grupos disputando um espaço, esse tipo de violência se acentua e quando há um equilíbrio nas forças, quando um dos grupos se estabelece, a violência se estabiliza”, explica o pesquisador.
Desumanização
Quanto ao vídeo divulgando o assassinato de Kauã, Samuel Rivero, classificou como impactante. Mas, quando há disputas territoriais, a estratégia é a divulgação da violência extrema, sinaliza. Ao mesmo tempo, o especialista em segurança pública observa que muito mais do que a violência, atos como este mostram a desumanização do outro. “Nesse processo, não há problema algum em matar. E isso é típico dos conflitos territorialistas e intimidatórios, ou seja, é um recado do que são capazes de fazer se o outro não se submeter.”
Para Rivero, esse tipo de situação é muito complexa e aponta outros fatores que levam a este processo de violência extrema. “O poder é apenas uma parte disso, e não o todo. Devemos analisar fatores sociais, ambientais e até psicológicos. O que levou essa pessoa a esse processo de desumanização? O que leva um jovem a matar outros jovens? Que história de vida essa pessoa carrega e as leva a cometer atos cruéis?”, indaga.
Rivero avalia que a violência é sinal de que a sociedade falhou em diversos pontos. “Uma trajetória fragilizada a ponto de levar uma pessoa a ter um comportamento como este, uma precariedade de toda uma vida, onde faltou tudo e o que sobrou foi a violência, porque ela ocupa os espaços onde o resto falha”, finaliza o especialista.
(Diário Popular)