Enquanto internautas organizam aplausos coletivos para profissionais de saúde, que estão na linha de frente do combate ao coronavírus, parte da população que utiliza o transporte público em São Paulo vai na contramão e discrimina médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, auxiliares e técnicos de enfermagem.
O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren) recebeu no mês de março 20 denúncias de agressões, na maioria verbais, contra esses profissionais em ônibus, trens e metrôs. Na visão dos agressores, os profissionais de saúde estariam disseminando a doença.
As denúncias mais comuns envolvem o impedimento do profissional uniformizado de entrar no vagão dos trens e metrôs. Profissionais ouvem frases como “sai do vagão, seu doente”, “você não vai entrar aqui e passar doença” e “sai de perto que você vai me contaminar”. Isso aconteceu com duas funcionárias da equipe da enfermeira Caroline Padovani, que atua em um hospital de grande porte de São Paulo.
O episódio ocorreu no fim da tarde de quinta-feira, na estação São Joaquim do Metrô, na zona sul paulistana. “Duas enfermeiras não conseguiam entrar no vagão porque as pessoas diziam: ‘Vocês não vão entrar e passar doença’. Foi necessária a intervenção de seguranças”, conta a profissional de 32 anos.
A técnica de enfermagem Celicia de Vasconcelos Pereira, de 37 anos, trabalha na Liberdade, região central, e conta que está sendo hostilizada tanto na ida quanto na volta do trabalho, também na Linha Azul do Metrô. “Eles nos xingam porque estamos de branco”, conta a técnica. Ao pegar um trem na Estação Brás, para Rio Grande da Serra, um rapaz chegou perto e disse: “Nesse vagão você não entra”. Ela decidiu esperar o próximo até seu destino, no ABC paulista. Em muitos casos, profissionais contam que a discriminação é mais sutil, quase velada. “Quando estou sentada, as pessoas viram de costas ou se afastam. O banco ao meu lado quase sempre fica vazio”, diz outra enfermeira.
O virologista Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, explica que os profissionais de saúde não são os transmissores do coronavírus. “Os uniformes de trabalho, sendo deixados nos hospitais, seguem a descontaminação padrão interna e isso inativa este vírus e outros microorganismos. Assim, os profissionais de saúde não são transmissores”, explica o especialista. “É necessário, entretanto, que os mesmos recebam máscaras e luvas para que possam continuar trabalhando. Eles são os heróis no caso da covid-19 e não os bandidos”, compara o virologista.
Fenômeno novo
Renata Pietro, presidente do Coren, avalia que as hostilidades em ambientes públicos são um fenômeno novo. “Nos últimos anos, nós investigamos a violência contra os profissionais no ambiente de trabalho. Até então, esse era nosso foco. Com a pandemia, começamos a receber mensagens de profissionais que estavam sendo agredidos no transporte público. Foi uma surpresa. Começou com o coronavírus.”
Os profissionais de saúde são facilmente identificáveis pelo uniforme branco. Alguns hospitais exigem que cheguem uniformizados ao trabalho. Com isso, usam camisa, calça e o colete na rua. Quando chegam ao hospital, completam o uniforme com o jaleco, que só pode ser utilizado ali.
Com covid-19
Uma enfermeira do Hospital Nove de Julho explica que as roupas que se utilizam no transporte não são as vestimentas de proteção do hospital. “Quem assume pacientes da covid-19, por exemplo, usa a roupa privativa, de centro cirúrgico, aquela azul na maioria dos lugares. Você entra no setor e não pode sair com ela. Além dessa roupa, temos a paramentação: gorro, óculos, máscara N95, avental impermeável e luvas de procedimento. Em algumas situações, usamos o protetor facial, a máscara de acrílico que protege o rosto todo”, diz a profissional. “O hospital não seria negligente de permitir usar a mesma roupa na rua e no trabalho.”
Para contornar o preconceito em relação ao uso do branco no transporte público, alguns hospitais já dispensam o uso do uniforme para entrar na unidade, o que era obrigatório, e ampliaram a quantidade de vestuários para o profissional trocar de roupa quando chegar. “Isso ajudou bastante. Dentro do transporte público, nós não estamos mais sendo identificados. As pessoas precisam entender que o risco que nós temos de transmitir é o mesmo de qualquer outra pessoa”, afirma Caroline Padovani.
O Conselho Regional de Enfermagem solicitou reuniões com a Secretaria de Transportes Metropolitanos e a Secretaria da Segurança Pública para discutir o problema. Uma das propostas é a criação de vagões ou transportes específicos para profissionais de saúde. A Secretaria Estadual dos Transportes Metropolitanos, que engloba as empresas CPTM, Metrô e EMTU, afirma que “valoriza os profissionais da saúde, que neste período prestam alta contribuição à sociedade e vêm trabalhando com conhecimento e de forma humanitária para proteger e salvar vidas”.
Boletim de ocorrência
Para os profissionais de saúde, a recomendação do órgão é registrar boletins de ocorrência sobre eventuais agressões. No contato com os seis funcionários de sua equipe, Caroline disse para evitarem o uso do uniforme e tentarem entender o momento de instabilidade emocional das pessoas. “Não queremos aplausos, apenas respeito pelo nosso trabalho.
(Metrópoles)
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